Se pudesse escolher uma sinopse para este texto seria: perante a Inteligência Artificial (IA), seremos todos menos substituíveis se formos mais humanos.
Vivemos milhares de anos a acreditar que a nossa superioridade como espécie se deve, quase em exclusivo, ao nosso neocórtex, zona do nosso cérebro onde, principalmente, o conhecimento é armazenado e processado, sendo ainda responsável por funções cognitivas complexas, como o pensamento racional, a linguagem, a memória e a aprendizagem.
Passámos por três revoluções industriais, desde a invenção da máquina até à digitalização em massa que, essencialmente, vieram facilitar a vida do ser humano, embora com perdas de milhões de empregos. Do ponto de vista conceptual, a automação sempre foi vista como algo, somente, fantástico.
E eis que surge a IA e o medo de sermos “substituídos” atinge um patamar diferente. Embora a IA tenha surgido como objetivo primário de suportar o homem, acaba por, acima de tudo, o desafiar naquilo que o diferenciava e lhe dava “supremacia” perante as máquinas e outros animais: o conhecimento.
Este ano, no World Economic Forum abordou-se, precisamente, a problemática do impacto da IA nos empregos de “colarinho branco”, os empregos do conhecimento. Nesta conferência, Erik Brynjolfsson, académico norte-americano da Universidade de Stanford, referia: “Há sempre uma onda de preocupação e de medo relativamente à perda de postos de trabalho e ao facto de haver ou não desemprego em massa. O que a IA está a fazer é mudar a forma como trabalhamos, mas mantendo os humanos no circuito”.
De forma muito particular, existem duas grandes áreas em que a IA não pode substituir o homem, pelo menos integralmente, na criatividade e na inteligência emocional.
A IA tem a capacidade de processar grandes quantidades de informação, permitindo realizar tarefas com um alto nível de complexidade e precisão. No entanto, a IA não possui emoção, limitando a capacidade de compreender a complexidade das relações humanas, a empatia, o cuidado e a conexão que trazemos para as nossas interações. A IA pode ser programada para tomar decisões com base em processos pré-estabelecidos, mas não tem ainda a capacidade de compreender a gravidade de uma situação ou de usar o chamado “bom senso” que, infelizmente, por vezes parece algo em vias de extinção na raça humana.
É indiscutível a necessidade de reestruturarmos e redesenharmos o trabalho, mas acredito que todos nós teremos de encontrar o nosso “lugar” nesta nova era económica e social. Por agora, as tendências abordam o conceito “complementaridade” entre o homem e a IA. Erik Brynjolfsson referiu, ainda em Davos, que a grande maioria das profissões existentes não poderão, para já, ser integralmente substituídas por machine learning. Este momento de disrupção dar-nos-á a oportunidade de ter trabalhos menos rotineiros, mais “plenos” e acima de tudo mais human centered.
Acredito, ainda, que esta nova era nos trará o peso da responsabilidade de sermos, finalmente, mais human to human, de “termos tempo e oportunidades” para desenvolver a nossa inteligência emocional, a nossa empatia e quem sabe, de darmos o benefício da dúvida ao nosso instinto, comandado em grande parte pelo nosso cérebro reptiliano, a parte mais antiga do cérebro, em desenvolvimento há milhões de anos.
Não no futuro, mas já hoje, é essencial que os CEOs e os profissionais de Recursos Humanos comecem a desenhar uma estratégia a médio-longo prazo que incida na conciliação de todos estes desafios e de como se vai reconfigurar o mercado de trabalho. O reskilling tecnológico é incontornável, para que tenhamos as competências necessárias para trabalhar “par a par” com a tecnologia. Além disso, verifica-se uma importância crescente ao nível da conciliação da criatividade e inovação com outras de caráter científico, como as Ciências, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática – competências STEAM – valorizando-se o pensamento crítico e analítico, a tomada de decisão, a resolução de problemas, entre outras soft skills, cada vez mais procuradas no mercado de trabalho.
No final do dia, e inteligências à parte, talvez seja importante refletirmos que somos pessoas e isso é a única coisa que a IA não poderá substituir.
Artigo publicado pela Human Resources Portugal