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Integração de pessoas com deficiência no mercado de trabalho: porque é difícil passar da teoria à prática?

Written by Elsa Vila Lobos | 30-08-2023 14:09

A promoção do crescimento económico inclusivo e sustentável, o emprego pleno e produtivo, e o trabalho digno para todos são propósitos inscritos nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. Até 2030, a ONU pretende alcançar o “emprego pleno e produtivo, trabalho decente para todas as mulheres e homens, inclusive para os jovens e as pessoas com deficiência, e remuneração igual para trabalho de igual valor”. Infelizmente estamos, como sociedade, longe de atingir estes objetivos. Se é fácil? Não. Se é possível? Em parte, sim. Como? Uma das formas é através do acesso ao emprego.

Em 2020, de acordo com o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) as pessoas com Deficiência (PcD) representavam apenas 0,59% (n=13902) dos recursos humanos das empresas com mais de 10 trabalhadores e, destas, 73,8% tinha um grau moderado de incapacidade (entre 60% a 80%). Estes números apenas contabilizam as pessoas inscritas no IEFP, por isso, haverá um número certamente superior de PcD sem inserção profissional que acresce a estes dados oficiais. Em 2020, em Portugal, a diferença na taxa de emprego entre pessoas com e sem deficiência (“disability employment gap”) era de 18,2 pontos percentuais (Inquérito às condições de vida e rendimento - Eurostat). 

Os números existem e estão à vista de todos os que os querem ver, importa que cada empresa reflita sobre o contributo que pode e quer dar para aumentar a percentagem de PcD inseridas no mercado de trabalho. Mas do que falamos quando falamos em inserir PcD no mercado de trabalho e porque é que é tão difícil passar da teoria à prática?

Inclusão de PcD no mercado de trabalho significa dar as mesmas oportunidades e os mesmos recursos às pessoas que têm incapacidades físicas ou intelectuais. E, para ser equitativo e

eliminar barreiras, começamos com o recrutamento que deve adaptar-se às circunstâncias específicas de cada PcD e deve focar-se essencialmente nas competências, formação, experiência, eliminando à partida possíveis vieses inconscientes que possam existir. Para além do processo de recrutamento as empresas têm de ultrapassar outros desafios tais como:

  • Preconceito e discriminação: Infelizmente, as PcD ainda enfrentam muitos estigmas, preconceitos e discriminação no local de trabalho. Para além disso, os Hiring Managers/ Talent Acquisition / Recrutadores podem ter preconceitos e vieses inconscientes que os levam a ignorar, ou a não considerar candidatos com deficiência, tendo a crença que o candidato não terá um desempenho tão bom como uma pessoa sem deficiência. Importa sensibilizar e dar formação e informação a estas equipas com um papel preponderante na integração de PcD.
  • Locais de trabalho sem acessibilidade: Muitos locais de trabalho não têm as condições adequadas para acomodar trabalhadores com deficiência, o que poderá implicar investimento em rampas, elevadores, casas de banho adaptadas etc. e nem sempre é possível fazer este investimento financeiro. 
  • Fontes de recrutamento inclusivas: As empresas podem ter dificuldade em chegar a grupos de talentos diversificados, incluindo PcD, dificultando assim a procura de candidatos qualificados e a criação de práticas de contratação inclusivas. Existem já várias organizações que podem apoiar a divulgação das vagas existentes nas empresas.
  • Capacitismo: É um sistema de opressão e discriminação contra as PcD que assenta na premissa de que os corpos de pessoas sem deficiência são mais válidos, capazes e produtivos. O capacitismo está nas barreiras à expressão da cidadania: atitudes, comunicação, físicas, políticas, transportes, emprego.

Para ultrapassar estes e os demais desafios, é necessária uma abordagem proativa por parte das empresas e da sociedade em geral (claro que legislação também desempenha um papel crítico). As empresas têm de querer, têm de sensibilizar, educar e formar as suas equipas, têm de investir na criação de ambientes acessíveis e fomentar uma cultura de inclusão e de equidade. É certo que não podemos mudar a vida de todas as PcD, mas podemos mudar a vida de algumas facilitando o seu acesso ao emprego. Desta forma estaremos a contribuir para a sua independência e inclusão social. 

Investir num ambiente de trabalho focado na diversidade dos colaboradores não é mais um assunto de responsabilidade social, mas sim de sobrevivência corporativa” (Harvard Business Review Magazine, 2020, Social Impact Efforts That Create Real Value). Se cada empresa fizer a sua parte estaremos a mudar a vida de muitas pessoas com deficiência.


Artigo publicado no Link to Leaders